Entre a Ânsia de Ter e o Tédio de Possuir
Ele tinha tudo. Pelo menos, era isso que o mundo acreditava.
Passou a vida construindo um império, acumulando fortunas, viajando para onde queria, cercado por pessoas influentes e vivendo em mansões que pareciam saídas de filmes. Mas agora, aos 92 anos, sentado em uma poltrona luxuosa, com os olhos cansados observando o horizonte, ele sabia a verdade: trocaria tudo por mais tempo.
Um jovem jornalista o entrevistava para um documentário sobre os homens mais ricos e bem-sucedidos do século. Com o gravador ligado e um brilho de ambição nos olhos, ele fez a pergunta clássica:
— Se pudesse dar um único conselho para as novas gerações, qual seria?
O velho sorriu, mas não com alegria. Havia um peso naquele sorriso, o peso de quem carregava uma verdade que ninguém quer ouvir.
— Eu daria cada centavo, cada empresa, cada propriedade, para ter meus 30 anos de volta.
O jornalista franziu a testa, confuso.
— Mas o senhor conquistou tudo o que um homem poderia desejar. Tem um legado, uma fortuna incalculável. Por que abriria mão disso?
O velho olhou para o jovem, como quem enxerga um reflexo distante de si mesmo, e respondeu com calma:
— Porque naquela época, eu tinha algo que dinheiro nenhum pode comprar: tempo. Eu tinha energia, saúde, disposição. Podia correr sem dor, dormir sem remédios, abraçar quem eu amava sem a sombra do tempo se aproximando. Mas desperdicei tudo isso acreditando que o que importava era construir mais, ganhar mais, conquistar mais. Sempre achei que o auge da vida era o próximo milhão, a próxima aquisição, o próximo grande feito.
Ele fez uma pausa, respirou fundo e concluiu:
— Me disseram que eu estava vencendo, que eu estava "chegando lá". Mas ninguém nunca me perguntou para onde exatamente eu estava indo. E, no fim das contas, percebi que o único ativo que realmente importa é o tempo. Só que, quando você entende isso tarde demais, não há dinheiro no mundo que possa comprá-lo de volta.
O jornalista desligou o gravador. Pela primeira vez na vida, não tinha mais perguntas.
O velho voltou a olhar para o horizonte, mas não via prédios ou números. Via memórias. Memórias que, agora, eram seu único tesouro. Memórias que ele daria qualquer preço para reviver.
Caro leitor,
Arthur Schopenhauer, um dos filósofos mais implacáveis na análise da natureza humana, escreveu:
“A vida é uma constante oscilação entre entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.”
E se pararmos para refletir, essa frase resume a inquietação que domina nossa era. Estamos constantemente correndo atrás de algo. Queremos mais dinheiro, mais status, mais reconhecimento, mais objetos. E quando finalmente conseguimos, a euforia dura pouco. O novo celular já não impressiona, a roupa nova perde a graça, a conquista que parecia tão grandiosa se dissolve em tédio.
O ciclo recomeça: surge um novo desejo, uma nova meta, um novo sonho que acreditamos ser a resposta para o vazio. Mas será que é?
O Desejo Como Fonte de Sofrimento
Os ensinamentos budistas nos alertam há séculos: o desejo incessante é a raiz do sofrimento. Não há problema em ter ambições, mas quando a nossa felicidade depende do próximo "upgrade", nos tornamos eternos insatisfeitos. O prazer da conquista é sempre temporário, e é por isso que estamos presos nesse looping de querer sempre mais.
A sociedade moderna se alimenta dessa lógica. Somos bombardeados por anúncios que nos convencem de que a próxima compra, a próxima experiência "instagramável", o próximo objeto de desejo vai finalmente nos completar. Mas o que acontece quando conseguimos? O tédio chega, e o desejo por algo novo toma o seu lugar.
Vivemos na ilusão de que a felicidade está logo ali, do outro lado da próxima aquisição. Mas tudo o que conseguimos é correr sem sair do lugar.
O Custo da Falsa Prosperidade
O consumo desenfreado não cobra apenas o nosso dinheiro. Ele rouba o nosso tempo, nossa energia mental e até nossa saúde. Trabalhamos cada vez mais para manter um padrão de vida que não necessariamente nos faz felizes. Perdemos tempo de qualidade com a família, sacrificamos nosso bem-estar, negligenciamos a mente e o corpo para sustentar um estilo de vida baseado na acumulação de coisas, não de experiências.
As redes sociais agravam ainda mais essa insatisfação crônica. Vemos pessoas viajando, comprando, exibindo conquistas que parecem inalcançáveis. Comparação após comparação, nos sentimos pequenos, como se estivéssemos sempre atrás na corrida.
Mas qual é o jogo que estamos jogando?
O Que Realmente Importa
Se você fosse obrigado a se desfazer de tudo que possui, o que ainda restaria?
Sua saúde física e mental.
O tempo com as pessoas que ama.
As experiências que moldaram quem você é.
Seu conhecimento, seu caráter, sua história.
Nada disso pode ser comprado. Nenhum algoritmo pode vender. E, ironicamente, são essas as únicas coisas que realmente importam.
Felicidade não é a soma das coisas que você tem, mas a profundidade do que você vive.
Eu proponho uma reflexão. Imagine que, de repente, 200 milhões de reais fossem depositados na sua conta. Sem pegadinhas, sem impostos, dinheiro livre para você fazer o que quiser. Como se sentiria? O que mudaria na sua vida? A maioria das pessoas aceitaria essa oferta sem hesitar, acreditando que esse seria o bilhete dourado para a felicidade.
Agora, imagine uma condição: você recebe os 200 milhões, mas em troca, não acorda amanhã. Seria o fim da sua vida aqui. Ainda aceitaria?
Acredito que não.
Se você não trocaria um novo dia de vida por 200 milhões de reais ou qualquer quantia que fosse, isso significa que o simples fato de abrir os olhos amanhã já vale mais do que qualquer fortuna. Mas então, por que tantas pessoas desperdiçam esse presente, vivendo como se a vida fosse um fardo e não um privilégio?
Você já tem em mãos aquilo que o dinheiro não pode comprar: mais um dia, mais uma chance, mais um respiro. Seja grato por isso. E, mais, aproveite isso.
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Nos vemos na próxima carta.
Pedro Cooke.
Mais uma pedrada. Seu conteúdo gera expansão da consciência. Obrigado!
“Vivemos em uma eterna Black Friday emocional, sempre esperando que a próxima ‘aquisição’ nos traga a tão sonhada felicidade. Mas, como bem apontado neste texto, o que realmente importa nunca esteve à venda. A ânsia de ter nos aprisiona, enquanto o tédio de possuir nos desafia a buscar mais, num looping infinito. Talvez o verdadeiro luxo seja aprender a valorizar o que já temos: saúde, tempo, conexões e experiências. Afinal, se não trocaríamos um dia de vida por milhões, por que desperdiçamos tantos dias correndo atrás do que nem sabemos se queremos de verdade? Um texto que nos convida a desacelerar e olhar para dentro. Obrigado pela reflexão, Pedro Cooke!”